Uma reflexão sobre a Paz com base em textos Bíblicos – Por Ednéa Ornella


Dia mundial da paz!

Em Simpósio sobre a paz na PUC-Rio, três diferentes autores fizeram apresentações sobre o tema. Cito Luíza Maria Varela Almendra, da Universidade Católica Portuguesa, com “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou.” (Jo 14,27), no qual condensa os horizontes do testemunho e desafio deste texto para uma cultura da paz.

O autor de Jo 14,27 se encontra no ambiente de despedida de Jesus, que sabe que será morto e que seus discípulos ainda não entenderam TUDO. Assim, Jesus oferece aos discípulos palavras que deem a eles uma garantia de um futuro com Ele. É bom ler uma parte maior do texto na Bíblia, pois Jo 14,27 nos transporta para um horizonte de paz, sem deixar de mostrar o momento do conflito: Jesus estava para ser entregue e morto na cruz, por isso acrescentou: “Vou, mas voltarei a vós.” (Jo 14,28). É um texto de Revelação Divina, uma “extraordinária travessia onde Deus e o ser humano tecem uma história de Salvação”, uma história que acontece sempre entre Deus e o ser humano e entre os seres humanos entre si, na qual a paz e o conflito são onipresentes.

Nesse sentido, Jo 14,27 nos convida a compreender o mundo, a justiça e a paz que “deve refazer-se permanentemente, tal como se refaz em cada dia a nossa compreensão da Palavra de Deus, ou seja, não se deve esquecer o início do conflito das relações no Paraíso, com Adão e Eva: Deus deu tudo ao ser humano para uma felicidade completa e plena, deu a paz e a harmonia, mas o homem se sentiu desafiado a igualar-se a Deus e iniciou um conflito que o levou a ser expulso do lugar de harmonia e paz na vida e nas relações.

Conscientes disso, devemos procurar construir horizontes de reconhecimento e transformação, que conduzam a paz, como um dom de Deus e de Jesus Cristo.

Como fazer isso?

Luíza Maria Varela Almendra revisa a semântica bíblica da paz em diversos outros textos, separando as dominantes temáticas relevantes, citando particularmente A. Wénin, autor que vai além da dinâmica de paz/conflito bíblico e explora, a estratégia narrativa  dos caminhos de reconciliação em Ez 37,15-28, no qual o profeta Ezequiel revela a memória ainda bem viva da ferida causada pela separação entre o reino do norte e o reino sul, após a morte de Salomão (722 a.C.), ou seja, A. Wénin mostra um horizonte bíblico de transformação do conflito.

Luíza Maria Varela Almendra fala do desafio de assumir o egocentrismo que divide, utilizando o texto em que Roboão, filho de David, recusa-se a entender a proposta das tribos do norte, fazendo com que as tribos do Norte escolham Jeroboão como rei (cf. 1Rs 11,9-11); fala da dificuldade que se tem de saber reconhecer os medos de alteridade e diferença citando a narrativa de Torre de Babel (Gn 11) em que os homens falam “diferentes línguas” e não se entendem, acabando por criar divisões; e ainda como se pode acreditar no caminho lento da paz e da fraternidade entendendo o relato de Caim e Abel, que ensina que, em relação à dinâmica de paz/conflito fraterno, para se construir, deve-se aprender a “atravessar a prova da cobiça e da avidez…” E, ainda, como depois de Caim e Abel, “o horizonte será sempre o mesmo para Abrão e Lot, Ismael e Isac, Esaú e Jacó, Jacó e Labão, Lea e Raquel, José e os seus irmãos.

Segundo A. Wénin, o “pão cotidiano da fraternidade é a tensão, a oposição e o conflito”, assim, a paz  fraterna requer maturação dos seres humanos adultos para se atravessar os conflito, as divisões e as reconciliações.

Como fazer isso?

Vislumbrando o papel crucial de Cristo, com a única história de salvação que ilumina o caminho do ser humano deixada solenemente por Jesus: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou, a dou, a dou não como o mundo a dá. Não deixeis que o vosso coração se perturbe, nem tenhais medo.” (Jo 14,27)

Neste texto, o autor bíblico usa a palavra paz (ειρηνη, eirênê, em grego) pela primeira vez, “um tesouro guardado para este momento particular”. Jesus oferece aos discípulos a certeza de que não ficarão sós, Ele estará com eles nos momentos difíceis de dor, injustiça, perseguição etc. Quando Jesus fala “a minha paz”,

Ele quer falar sobre o modo e a natureza da paz que deixa, não é uma paz qualquer, mas a força e a serenidade interior Dele e a Sua confiança absoluta no Pai, que manterá no ser humano a serenidade e a força para enfrentar o conflito, que deve ser enfrentado da mesma forma como Jesus enfrentou seus algozes: sem confusão, sem perturbação, com serenidade e sem medo.

A paz de Jesus é um dom, não é a paz do mundo: uma paz de falsas promessas, de segurança e dos fins aparentes de conflitos.

A paz de Jesus vem do coração da Sua vida (cf. Jo 14,19), do seu amor desmedido (cf. Jo 14,21.23), da sua alegria (cf. Jo 15,11; 16,22), é a paz do Dom da própria vida dada até o fim (cf. Jo 17,13), a paz do amor crucificado e consumado entregue nas mãos do Pai (cf. Jo 19, 30).

                    * Ednéa Ornella é professora e Doutoranda em Teologia na PUC-RJ.